As artes do Real Colégio das Artes: entre a sua matriz e outra

Abstract

Drawing upon notions such as artes liberales and humanitas in Cicero, and upon the analysis of documents concerning the curriculum at the Royal College of Arts, the author argues that the artes taught at the College were closer to the humanism of Cicero and the humanitas litterarum proclaimed in support of the poet Archias than to the medieval trivium et quatrivium tradition. Created as an alternative to the University, though actually being a part of it, and aiming to promote the humanities and the rebirth of classical studies, especially the litterae humaniores, the Royal College of Arts at Coimbra included other faculty members besides teachers of Arts. The litterae humaniores or artes humaniores encompassed grammar, rhetoric, philosophy, poetry, and history, which correspond today to a number of fields that include, besides history and philosophy, linguistic studies and literary studies, among others. From an institutional, intellectual and cultural point of view, the Faculty of Arts and Humanities is thus the natural heir of the College of Arts. The latter’s symbolic capital is the immaterial heritage of the Faculty of Arts Humanities. Can we alienate this heritage without prejudice to the artes humaniores that we profess? Are we not being complicit with the fragmentation of knowledges that daily undervalues the humanities? In the diplomas that confer its academic degrees, the Faculty of Arts and Humanities is still referred to as Liberalium Artium Facultas. In fact, neither can arbitrary decisions impose paradigm changes, nor can the present College of Arts suppress from memory the symbolic richness of its name.

Após o estudo de noções como artes liberales e humanitas em Cícero, e após o exame de alguns documentos sobre o ensino no Colégio das Artes, este estudo pretende mostrar que as artes do Colégio eram tributárias, mais do humanismo de Cícero e da humanitas litterarum proclamada em defesa do poeta Árquias, do que da tradição medieval do trívio e do quadrívio. Formalmente concebido como alternativa à Universidade (conquanto fosse dela parte integrante) para promover o saber humanístico e fazer renascer os estudos clássicos, principalmente as litterae humaniores, o Real Colégio das Artes de Coimbra era muito mais do que o conjunto dos Professores de Artes. Se as litterae humaniores ou artes humaniores do Colégio das Artes designavam disciplinas como a gramática, a retórica, a filosofia, a poesia, e a história, hoje essas disciplinas correspondem a um conjunto de artes e de saberes que incluem, além da história e da filosofia, os estudos linguísticos e os estudos literários, entre outros. A Faculdade de Letras é pois, do ponto de vista cultural, intelectual, institucional, a instituição que naturalmente sucede ao Colégio das Artes. O seu capital simbólico constitui património imaterial da Faculdade de Letras. Ora, podemos nós alienar esse património, sem prejuízo das artes humaniores que professamos? Não estaremos a ser coniventes com a fragmentação de saberes que secundariza quotidianamente as Humanidades? Nos diplomas com que confere os seus graus académicos, a Faculdade de Letras continua a autodesignar-se Liberalium Artium Facultas. É que, na realidade, nem as mudanças de paradigma se impõem por decisão discricionária, nem o actual Colégio das Artes pode suprimir da memória a riqueza simbólica do título que carrega.